Está fora de dúvida que a utilização do vocábulo “gallego” por Rosa Díez para desqualificar Zapatero na entrevista que lhe fez Iñaki Gabilondo ofendeu milhares de pessoas. A questão é se se pode estabelecer com suficiente certidão que a ofensa coletiva de Díez foi deliberada, e que portanto as suas pretensas justificações posteriores reforçam o insulto. Após examinar o desagradável diálogo muitas vezes, penso que se pode determinar isso.
O fragmento foi assim:
Gabilondo: ¿Le puedo pedir a usted, que es muyyy precisa, / eh, uuna idea en torno a / cuatro o cinco personajes de la política actual?, en torno a ZapaTEro, / una idea que lo defina.
Díez: [gestos de dúvida, sorriso que se vai esvaindo, dição clara e lenta, algo baixa] Podría ser gallego, en el sentido más peyorativo del término [lábios tensos franzidos, olhada fita, séria].
Gabilondo: ¿Rajoy?
Díez: ES gallego [amplo sorriso].
Gabilondo: ¿Aznar?
Díez: [pausa] TUvo su momento [sorriso].
...
Gabilondo: ¿El rey?
Díez: [pausa, gestos de dúvida]: El rey [longo sorriso].
Todas as respostas, excepto a de Zapatero, concluem com um sorriso para pontuar a pretensa agudeza, e para preparar a receção cordial da próxima pergunta. Frente a, por exemplo, uma recente entrevista a Díez em Libertad Digital TV, caracterizada pola distância comunicativa, nesta há tentativa de sintonia entre a entrevistada basca e o entrevistador basco. Mas o fragmento sobre Zapatero contrasta neste aspeto.
Numa sequência em que está em jogo a “precisão”, “gallego” é o adjetivo exato que definiria a Zapatero. Metalinguisticamente, esta precisão contrastaria com a própria indeterminação ou hipocrisia “gallega” de Zapatero. Mas reparemos, sobretudo, na comparação “el sentido más peyorativo” (um superlativo relativo, mas em essência o mesmo significado: ‘más peyorativo que todos los demás sentidos’).
As comparações ativam o sobreentendido de que a qualidade do adjetivo se dá, num grau ou noutro, em todos os termos comparados. Por outras palavras: não é que “gallego” tenha um sentido negativo e um outro positivo, mas dá-se a entender que, num contínuo de sentidos, sempre tem algum valor negativo, ainda num grau mínimo. Contraste-se a expressão com um hipotético “gallego, en un sentido peyorativo”, ou com “gallego, en el sentido menos positivo”. No primeiro caso, sem comparação, sugere-se que existe também um sentido não pejorativo. No segundo, que todos os sentidos têm a qualidade de “positivo” nalgum grau.
Para a persuasão, a eleição dos adjetivos nas comparações não é inocente. Por isso os vendedores nos oferecem produtos “mais económicos” e “menos económicos” (não “menos caros” e “mais caros”). Ao destacar essa qualidade, é impossível negar que todos os produtos sejam polo menos algo “económicos”: seria contraditório afirmar “Este computador é o menos económico, e não é nada económico”. Da mesma maneira, é impossível por contraditório glosar a expressão de Díez como: “Es gallego en el sentido más peyorativo de todos, y ‘gallego’ no es nada peyorativo”. Díez procurou conciliar esta contradição torpemente em declarações posteriores ao querer distinguir entre “peyorativo” e “despectivo”.
Quanto ao outro argumento (o tom de “humor” da resposta), a realidade dos signos não o sustém. Não há sorriso final, mas o rictus sério e tenso de quem soltou um ataque. Díez não espera aqui a cumplicidade do entrevistador, ideologicamente próximo ao atacado.
Por último, consideremos a intenção publicitária do ataque. Foi Feijoo o primeiro em receber uma ofensa semelhante de Díez há uns meses. Agora trata-se de encenar o “equilíbrio” de UPyD empregando contra o líder do PSOE o mesmo argumento. Trata-se de destacar que UPyD (isto é, Díez) é o único grupo que fala claro.
No múltiplo confronto de identidades (basco-madrilenhos / galegos / leonês / espanhóis; PSOE / PP / UPyD; entrevistador / entrevistada / personagens), Gabilondo cai no mesmo prejuízo inconfessado. Com a sua própria agenda, não interroga o que possa ser pejorativo em “gallego”: isto não afeta a sua identidade. Preocupa-lhe mais passar rapidamente, em cumplicidade com Díez, a descabeçar Rajoy e Aznar. De novo, a galeguidade, totalizada, é objeto de fácil troca num show, agora entre uma deputada extremista e uma estrela mediática.
Em conclusão: Díez atacou a galeguidade deliberadamente. Nem a sua conduta nem as suas declarações dão qualquer prova de que não fosse assim.
Celso Alvarez Cáccamo naceu en Vigo en 1958. É profesor de Lingüística na Universidade da Coruña. Esta é a súa web. »